Audiência na Comissão de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor do Senado Federal revela que as empresas desrespeitaram direitos dos consumidores
Após audiência sobre propaganda enganosa na venda de sanduíches McPicanha e Whopper Costela pelas redes de fast food McDonald’s e Burger King, na Comissão de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC), o senador Nelsinho Trad (PSD/MS), que solicitou o debate, exigiu que a situação deva “servir de exemplo” e as denúncias levadas a sério. “O desrespeito ao consumidor, entregando um produto alimentício que não corresponde ao que foi divulgado, pode causar riscos e não podemos tratar o caso como um mero equívoco na campanha de divulgação”, destacou o senador.
Representantes das duas empresas não compareceram ao debate e enviaram cartas à comissão. Nas mensagens, a Arcos Dourados Comércio de Alimentos, franqueada do McDonald’s no Brasil, e a franqueada do Burger King no país, BK Brasil, declaram que há transparência na publicidade dos produtos e que “não era a intenção das propagandas levar o consumidor a erro”.
O publicitário, responsável pelo Blog Coma com os Olhos, Itamar Taver, que fez a reclamação sobre os sanduíches, fez a seguinte declaração. “Você não pode ir transmitindo esse poder de decisão para o consumidor. Ele não teve as informações de forma clara. Tanto que as denúncias foram acatadas e as redes tiraram seus produtos”.
Segundo as denúncias, as duas empresas utilizam, para alguns de seus produtos, sanduíches que aparecem no cardápio como contendo cortes nobres de carne quando usam, na realidade, cortes mais econômicos e aroma acrescentado ao molho, para garantir experiência semelhante à de consumir cortes mais sofisticados. O Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF), após ser notificado, determinou a retirada dos produtos dos cardápios. “Estavam errados e, por isso, retiraram os produtos dos cardápios”, enfatizou o diretor-geral do Instituto de Defesa do Consumidor (Procon-DF), Marcelo de Souza do Nascimento, que parabenizou o senador Nelsinho Trad e a comissão pela discussão do tema.
A coordenadora de Inovação e Estratégia da ONG ACT Promoção da Saúde, Marília Sobral Albiero, enfatiza que as fabricantes transferem a responsabilidade do produto ao consumidor. “Como se ele não fizesse a melhor escolha porque ele não quer. No dia a dia, as nossas decisões de compra, a gente aciona o nosso sistema automático, o consumidor vai sempre procurar padrões. Não adianta fazer campanhas de informação, o meu padrão intuitivo vai falar mais alto. Essas indústrias têm uma similaridade, à medida que a regulamentação aumenta e o consumidor se empodera, a indústria se sofística para gerar confusão”, comentou.
Para ela, aqueles que questionam o porquê dessa audiência não entendem a gravidade da propaganda enganosa. “Eu faço doação de produto ultraprocessado pra combater a fome? Enquanto eu tiro o foco da sociedade de que ela tinha que pressionar o governo para avançar em políticas públicas? Isso tudo confunde o consumidor.”
Advogada do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Mariana Gonda, esclarece que dois casos mostram óbvia violação dos direitos dos consumidores. “É adequado que a informação sobre a costela ou a picanha conste nos últimos segundos de um anúncio publicitário? Em letras pequenas? Não há como dizer que a publicidade como foi feita não tinha a intenção de induzir as pessoas a erro. A gente não pode dizer que o consumidor brasileiro está acostumado com a enganosidade, não pode acontecer.”
Segundo ela, esses casos também violam outros dispositivos legais. “Destaco o Decreto-Lei 986/1969, com obrigatoriedade de informar a presença de aromatizante e de fácil legibilidade. É preciso que a gente aja, é um tema de relevância pública. Esse tipo de prática é cotidiana, frequente e os consumidores se sentem lesados e enganados. Existem regras e regras claras. Esse campo do vale tudo não pode continuar existindo e é importante a gente agir sobre isso”, afirmou.
Conclusão do debate
O Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária (Conar) que se pronunciou por meio de carta, informou que as redes tem até os dias 16 e 30 de maio para prestar os esclarecimentos devidos e que vai compartilhar com a Comissão de Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor (CTFC) todos os passos.
O senador Nelsinho Trad esclareceu ainda que, pelo regimento interno do Senado Federal, artigos 94 e 95, as empresas podem prestar seus depoimentos por escrito e enviarem suas respostas por correspondências, mas não convenceram os demais participantes. Os representantes, defensores dos consumidores, querem providências.
Os dois casos, segundo o senador, contribuíram para o Senado Federal ficar atento a essas normas. “Como relator do Projeto de Lei do Senado n° 392, de 2018, que altera o Decreto-Lei nº 986, de 21 de outubro de 1969, para instituir normas básicas sobre alimentos, para dispor sobre a rotulagem de alimentos com alto teor de sódio, vou estudar as questões voltadas às propagandas com clareza ao consumidor”, explicou.